Dengue assusta Brasília: casos atingem maior número desde 1998

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| 27/06/2022

Total de notificações prováveis contabilizadas é o mais alto dos últimos 24 anos, a partir do início da série histórica do Ministério da Saúde. Especialistas nas áreas de biologia e medicina detalham medidas necessárias à comunidade e ao governo local

Mesmo fora da época de chuvas, a dengue continua a gerar transtornos no Distrito Federal. Antes do fim deste primeiro semestre, os registros alcançaram uma marca chocante: mais de 50 mil casos prováveis, maior índice desde 1998, ano de início dos levantamentos sobre a doença feitos pelo Ministério da Saúde. O dado mais recente divulgado pela pasta supera o recorde anterior, de 2020, quando houve 42.057 possíveis infecções notificadas. Os números de 2 de janeiro até o último dia 18 colocam Brasília (54.865) em primeiro lugar no ranking de registros por município, seguida por Goiânia (42.025) e Joinville (SC, 24.580).

O resultado fez Brasília e Goiânia puxarem o Centro-Oeste para o topo da lista de regiões com mais infectados por grupo de 100 mil habitantes. Considerada essa taxa, o Distrito Federal ocupa o oitavo lugar no país. No recorte das capitais brasileiras, apenas, o DF fica na terceira colocação, atrás de Palmas e Goiânia, respectivamente.

Professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB), Rodrigo Gurgel Gonçalves avalia que variáveis diferentes impactaram para o aumento de casos. “Essas hipóteses podem atuar ao mesmo tempo, com maior ou menor peso, para causar o cenário que temos vivido. Inicialmente, a questão do descuido relacionado à prevenção; depois, a falta de controle vetorial, porque os agentes (de saúde pública) deixaram de entrar nas casas das pessoas durante o período de lockdown da pandemia. Há, também, fatores climáticos que podem contribuir”, elenca.

Rodrigo Gurgel argumenta que, para controlar a situação, o Estado deve fortalecer campanhas de vigilância. “O uso de propagandas, de placas e dispositivos em ônibus, por exemplo, é primordial. Assim como a disponibilização de agentes (do Sistema Único de Saúde) para combater o mosquito Aedes aegypti. Outro fator importante é termos um Lacen (Laboratório Central de Saúde Pública) devidamente equipado para a vigilância dos sorotipos que circulam no DF”, salienta.

Dados da dengue no Distrito Federal
Dados da dengue no Distrito Federal(foto: cidades-dengue2)

 

Ciclos

Infectologista no Hospital Brasília, Ana Helena Germoglio comenta que a dengue — como outras viroses transmitidas por mosquitos — tem ciclos. “Nesse período, é esperada uma alta no número de registros. No caso dessa doença, ele ocorre a cada três anos, mais ou menos, o tempo de vida do inseto. Tivemos aumento de casos em 2016, 2019 e, agora, em 2022. Por isso, o crescimento das notificações era esperado”, comenta.

Sobre a queda no número de casos prováveis no ano passado, Ana Helena Germoglio observa que, pela dinâmica da pandemia, muitas pessoas ficaram em casa. “Então, acabou que se tornou mais fácil para elas tomar conta do próprio domicílio, fazendo com que a água parada não se acumulasse. Só que, também em 2021, as equipes volantes da Vigilância Sanitária que fazem visitas às residências foram destacadas para o cuidado contra a covid-19. Então, a dengue foi ‘deixada de lado’ pela necessidade de atuação contra o novo coronavírus”, analisa a infectologista.

Quem contrai a dengue sabe o quanto a doença pode fragilizar o organismo. Infectado quatro vezes na vida, o aposentado Ilmenildo Santos Pereira, 72 anos, lembra-se de como ficou debilitado na primeira vez, nove anos atrás. “Tive a hemorrágica, fiquei 17 dias internado e precisei fazer transfusão de sangue. Nas demais ocasiões, o corpo reagiu melhor, ainda que demorando um pouco para se recuperar”, descreve.

  • Especialistas defendem maior atuação de agentes de vigilância no DFED ALVES/CB/D.A.Press

 

Doutor em biologia e professor de biologia molecular e genética do Centro Universitário de Brasília (Ceub), Paulo Roberto Martins Queiroz afirma que infecções e mortes por causa da dengue acontecem no DF porque há falhas para monitorar o descarte correto de resíduos e devido à adoção de hábitos inapropriados. “Assim, no período das chuvas, temos criadouros garantidos para proliferação do mosquito, ficando mais difícil o combate, pois o ciclo de procriação do inseto ocorreu. Os ovos colocados pelas fêmeas na época chuvosa suportam a seca e eclodem quando a fase úmida volta”, alerta o especialista.

Para o professor, a alta na curva de casos também tem relação com a flexibilização das atividades de vigilância epidemiológica, além da diminuição na divulgação de campanhas educativas sobre prevenção e cuidados. O professor lembra que a detecção precoce do quadro e um atendimento de saúde adequado podem reduzir as taxas de mortalidade para abaixo de 1% — que, segundo ele, deveria ser a meta. “Infelizmente, zerar os casos é muito difícil, pois o inseto é adaptado ao clima tropical. Mas poderíamos reduzir esses casos. É muito mais viável e evitaria a perda de vidas”, completa Paulo Roberto.

Fonte: Correio Braziliense